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Sucateamento de delegacias e falta de efetivo atrapalham investigações

por AMAFMG Agentes Fortes

Em Minas, o déficit de investigadores – que são peças-chaves na construção de um inquérito policial – chega a 53,4%

O calvário do servente de pedreiro Thiago Paulino Simões – preso injustamente durante dois anos e cinco meses pelo assassinato da ex-namorada e do próprio filho, de apenas 5 meses – começou logo após o crime, ainda na delegacia de Itajubá, no Sul de Minas Gerais. Foi lá que, em poucos dias e sem provas concretas, investigadores e um delegado da Polícia Civil concluíram que o rapaz seria o autor do crime brutal. Um erro grave que, na avaliação de Amanda Melo, presidente da Comissão do Tribunal do Júri da Ordem dos Advogados do Brasil em Minas (OAB-MG), não pode ser justificado, mas que se repete em todo o país e esbarra no baixo efetivo de servidores da polícia que, por vezes, atropelam etapas da investigação com o único propósito de apresentar um culpado. “Vejo isso como um erro base do Estado”, condena a advogada criminalista. 

Investigador de delegacia no bairro Cachoeirinha disse ter solicitado novas cadeiras — Foto: Léo Fontes

Em Minas, o déficit de investigadores – que são peças-chaves na construção de um inquérito policial – chega a 53,4% (5.256 vagas), segundo levantamento do Sindicato dos Servidores da Polícia Civil do Estado de Minas Gerais (Sindpol-MG). O presidente da entidade e investigador, Wemerson Oliveira, acredita que a defasagem pode ser ainda maior, já que o cálculo leva em consideração dados de 2011, que apontavam a necessidade de 11.301 servidores no cargo. Atualmente, porém, o Estado conta com apenas 6.045 profissionais para solucionar todos os crimes dos 853 municípios de Minas. 

O déficit de profissionais responsáveis por vasculhar a cena do crime, coletar provas e apontar suspeitos provoca o congestionamento de casos nas delegacias do Estado, fato que, segundo o presidente do Sindpol, resulta em demora na conclusão dos inquéritos. “Muitas vezes, uma testemunha só é ouvida ou uma prova só é coletada mais de um ano após o crime”, relata. 

O problema reverbera no Judiciário, como observa o juiz Ernane Neves, da Vara de Execução Penal da Comarca de São João del-Rei, na região do Campo das Vertentes. “Com a falta de estrutura, material e pessoal (nas delegacias), os inquéritos levam de dois a três anos para serem concluídos. Quando chegamos à fase de instrução, testemunhas esqueceram fatos, não se lembram mais do momento do crime, e os depoimentos não refletem a verdade. Isso influencia a absolvição ou a condenação do réu”, ressalta o magistrado. 

O magistrado se recorda de um tempo recente em que a falta de estrutura em delegacia reverberava em dificuldades na conclusão do inquérito e, consequentemente, no julgamento. “Há uns oito anos, chovia dentro da delegacia em São João del-Rei, faltava computador, a comunidade teve que ajudar a comprar papel para que as investigações pudessem acontecer na delegacia. Em algumas cidades, temos um delegado para cuidar de milhares de inquéritos com apoio de três investigadores. Às vezes, eles têm uma viatura disponível. Como conseguir coletar as informações para subsidiar todos os inquéritos? É complexo”, diz. 

O presidente do Sindipol confirma o cenário de falta de estrutura para a investigação criminal. “Não é como nos filmes. No interior, principalmente, há dificuldade até para coletar uma impressão digital, porque não temos tecnologia suficiente”, denuncia o sindicalista. Mesmo quando há coleta da digital, porém, Oliveira afirma que a prova só tem serventia se for apresentado um suspeito para a comparação das impressões. “Não tenho um sistema onde eu lanço a impressão digital e o computador me dá a identidade”, explica. Sem aparato tecnológico, o que acaba contando como principal prova, em muitos casos, são os depoimentos de testemunhas. “Muitas vezes o indivíduo é indiciado erroneamente só com base em provas testemunhais, mas essa testemunha pode se confundir”, observa. 

O delegado Emerson Morais, titular da Delegacia de Homicídios de Contagem, na região metropolitana de BH, também admite que a atual estrutura da Polícia Civil impacta o trabalho investigativo. “Há casos de delegados de polícia no interior sozinhos, com uma estrutura muito inferior à do Judiciário, com questão de pessoal, logística, estrutura física, aparato tecnológico. Se há essa dificuldade no Judiciário, eu falo sem medo de errar, também temos na Polícia Civil”, afirma Morais. 

No entanto, o delegado defende que a dificuldade estrutural não pode ser usada como desculpa para incriminar inocentes. “Essas questões podem até atrasar uma investigação, mas a polícia não pode trabalhar numa investigação de forma açodada, com atropelos, sob pena de cometer injustiças”, pontua. O presidente do Sindpol concorda. “Posso até não concluir uma investigação, mas indiciar um autor sem elementos suficientes é inadmissível”, conclui.

Polícia Civil não prevê novos concursos

Questionada pela reportagem de O TEMPO, a Polícia Civil de Minas Gerais não informou qual é o efetivo de investigadores e delegados na ativa nem qual é o número de inquéritos em aberto no Estado. Em nota, a corporação alegou manter os dados sob sigilo por questão de segurança. Sobre o déficit de profissionais, o órgão apontou um acréscimo de 1.594 servidores, entre 2019 e 2022. As nomeações de excedentes de concursos públicos, no entanto, ocorreram para preencher cargos “em virtude de aposentadorias, falecimentos e exonerações”.   

Ainda conforme a nota, servidores aprovados e nomeados nos concursos em vigor para as carreiras policiais passam, atualmente, por curso de formação, conforme ordem de classificação prevista no edital, de outubro de 2021. Não há previsão de novos concursos públicos. 

Em relação às investigações, a Polícia Civil afirmou que “toda delegacia de Polícia Civil possui atribuição investigativa e treinamento continuado de servidores para a devida apuração dos crimes”, mas não comentou sobre as queixas em relação à estrutura física e à falta de equipamentos e de tecnologia para uso na apuração das ocorrências. 

FONTE: https://www.otempo.com.br/cidades/sucateamento-de-delegacias-e-falta-de-efetivo-atrapalham-investigacoes-1.3092176

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