Durante as vistorias feitas pela Seap, agentes encontraram uma das celas em que estavam os fugitivos com as grades serradas. A TV Globo apurou que os cortes são precisos e parecem ter sido feitos com uma serra elétrica.
Em uma audiência na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) em novembro do ano passado, a secretária estadual de Administração Penitenciária, Maria Rosa Lo Duca Nebel, falou sobre a falta crônica de agentes nos presídios do RJ.
“Eu tenho unidade prisional com 3.500 privados de liberdade e com 5 policiais penais numa turma. Aí vocês vão me perguntar: ‘Mas como assim, secretária?…’ Deus protege, né? Deus protege”, disse.
Ninguém viu a fuga
Os cinco policiais penais de plantão na madrugada de domingo na Penitenciária Lemos Brito, quando três traficantes de alta periculosidade fugiram, relataram que a forte chuva fez cair a energia e que o gerador não ligou automaticamente.
Sem luz, o circuito de câmeras da Lemos Brito — que custou R$ 28 milhões — também apagou. Só quando amanheceu os agentes encontraram uma escada feita de lençóis e pedaços de madeira.
Durante as vistorias feitas pela Seap, agentes encontraram uma das celas em que estavam os fugitivos com as grades serradas.
A TV Globo apurou que os cortes são precisos e parecem ter sido feitos com uma serra elétrica.
Um policial penal que já trabalhou no presídio disse que a unidade tem essa ferramenta no setor de zeladoria, para reparos feitos dentro da unidade.
A zeladoria era onde Jean do 18, um dos fugitivos, prestava serviços no presídio. O trabalho de faxina é legal, autorizado para presos com bom comportamento e ajuda na diminuição da pena.
Turma investigada
Em entrevista ao Bom Dia Rio desta segunda-feira (30), Maria Rosa também citou o déficit de profissionais. “Eu sou policial penal e eu sei o quanto a gente precisa de policial penal.” A abertura de um concurso depende de verbas que precisam atender ao Regime de Recuperação Fiscal.
Maria Rosa também disse ao Bom Dia Rio “postos estratégicos” da Penitenciária Lemos Brito “deveriam estar cobertos” quando três traficantes fugiram da unidade na madrugada de domingo (29). “Neste horário da fuga, todos os presos estavam trancados, e os postos estratégicos deveriam estar cobertos — e dava para estarem cobertos”, afirmou.
“Nós vamos apurar cada conduta desses policiais penais, para que cada um responda onde estava — ou não estava e por que não estava”, destacou.
Justiça cobra explicações
A Vara de Execuções Penais do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro deu 48 horas, a contar desta segunda-feira (30), para que a Secretaria Estadual de Administração Penitenciária (Seap) e a direção da Penitenciária Lemos Brito forneçam detalhes sobre a fuga de três presos de altíssima periculosidade.
Na decisão, o juiz Bruno Monteiro Rulière pontuou que “os fatos ventilados revelam um quadro que expõe fundadas suspeitas de falhas grosseiras e/ou ações e/ou omissões ilícitas de servidores da Secretaria de Administração Penitenciária, capazes de comprometer a disciplina, ordem e segurança da unidade prisional”.
Rulière, então, fez as seguintes perguntas para a Seap:
- Quantidade de servidores no plantão no dia dos fatos, com a identificação de todos;
- Quantidade de postos cobertos e descobertos;
- Quantidade de guaritas da unidade prisional, identificando quais estavam cobertas e quais estavam descobertas;
- Considerando que os presos que fugiram estavam em celas distintas, responda como ocorreu a saída dos presos dos alojamentos (grades serradas, portas não estavam trancadas etc.);
- Como os presos ultrapassaram as grades do solário;
- Considerando a informação de que as câmeras estavam inoperantes em razão da falta de energia, esclareça se este fato ocorreu (câmeras inoperantes); se a unidade possui gerador em funcionamento e por qual razão não houve o restabelecimento do fornecimento de energia para alimentar o circuito interno de câmeras, como usualmente ocorre; a que horas o circuito interno de monitoramento foi restabelecido; e se o restabelecimento do circuito interno de monitoramento se deu em razão do acionamento de geradores ou pelo retorno da energia fornecida pela concessionária de energia elétrica;
- Observado o livro de ocorrências da unidade, informe todas as anotações noticiando a falta de energia nos últimos três meses.
A pedido da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, o magistrado também determinou que a Seap preste informações sobre “restrições (sanções) e providências (coletivas ou individuais) adotadas em relação aos presos”.
Parentes de detentos denunciaram que as visitas forma suspensas e que internos foram agredidos durante uma vistoria.
“Eles foram espancados, eles tiveram água cortada. E eles tão sendo massacrados por uma coisa que eles não têm nada com isso. Que cobrem dos responsáveis, de quem tem que ser cobrado, não é dos que estão ali pagando pelo erro que eles cometeram”, contou a mãe de um preso.
Traficantes perigosos
Entre os presos que deixaram a cadeia está Jean Carlos Nascimento dos Santos, o Jean do 18, que chefiou o tráfico do Morro do Dezoito, em Água Santa, na Zona Norte. Ele estava preso desde 2017. Também fugiram Lucas Apostólico da Conceição, conhecido como Índio do Jardim Novo, e Marcelo de Almeida Farias Sterque, o Marcelinho da Merindiba.
A cela onde o trio estava foi encontrada com parte da grade serrada.
A Polícia Civil abriu um inquérito para apurar ainda se houve facilitação para a fuga.
Jean, Marcelinho e Índio conseguiram fugir com a ajuda de uma corda feita com lençóis (teresa) jogada nos fundos do complexo de presídios. Para além dos muros fica um lixão.
Sindicato contesta secretária
O sindicato dos policiais penais contestou a informação da secretária de que sete agentes estavam trabalhando na madrugada da fuga. A entidade afirma que eram apenas cinco plantonistas para 778 detentos.
“No dia da fuga, só tinha cinco na turma, contando com o RAS [regime de horas extras]. Não tinha sete, como foi falado. Está tudo lançado no livro”, disse um agente.
Segundo esse mesmo profissional, a estrutura de Gericinó está precária.
“O gerador não está armando, só está funcionando no manual. Para ligar, o servidor precisa sair da unidade. E para sair, tem que ligar para o diretor. E como é que liga para o diretor se os telefones do complexo estão inoperantes há seis meses?”, detalhou.
Câmeras milionárias e desligadas
Os plantonistas disseram à Seap que uma chuva forte fez cair a energia na Lemos Brito e que o gerador não armou de imediato — isso fez com que o circuito interno de vigilância desligasse.
Em 2019, a Secretaria de Administração Penitenciária (Seap) investiu R$ 28 milhões em um sistema para monitorar os presídios do Rio de Janeiro, que foi considerado o único do país.
A TV Globo perguntou à Seap por que o circuito não funcionou, por quanto tempo ficou fora do ar e se já havia falhado antes. A secretaria respondeu apenas que “todas as informações disponíveis até o momento integram o processo de sindicância instaurado”.
A Seap também não respondeu se os telefones estão inoperantes, como relatado por um agente.
Por nota, a Light – concessionária de energia – desmentiu os plantonistas da Seap. A empresa informou que “não registrou falta de energia no local no sábado”.
Fonte: https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2023/01/31/audiencia-secretaria-deus-protege.ghtml