Os presídios do Rio registraram nos primeiros quatro meses deste ano uma morte de preso a cada dois dias, segundo levantamento da Defensoria Pública do estado.
A maioria das mortes ocorre em razão de doenças infecciosas, más condições de higiene e falta de profissionais de saúde em presídios, de acordo com avaliação do órgão. As mortes por doença superam, por exemplo, as decorrentes de violência entre presos.
De janeiro a abril deste ano, 55 presos morreram em unidades prisionais do Rio.
O sistema penitenciário fluminense está desde fevereiro sob comando da intervenção federal na segurança pública. Atualmente, as pastas da Segurança Pública e Administração Penitenciária e o Corpo de Bombeiros estão sob a gestão do general Walter Braga Netto, interventor nomeado pelo presidente Michel Temer (MDB) no dia 16 de fevereiro.
O levantamento das mortes foi feito pela Defensoria Pública para embasar uma ação civil pública do órgão contra o estado e o município do Rio. A capital abriga 31 das 55 unidades prisionais do estado.
O Rio seria, segundo o órgão, um dos locais em que não está sendo implantada a Pnaisp (Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional), criada em 2014 e que determina que equipes de profissionais da saúde básica dos municípios atuem dentro dos presídios no tratamento de presos.
O programa, do Ministério da Saúde, prevê repasse de recursos aos municípios para atenderem a essas demandas.
Tem sido frequente no Rio presos com tuberculose, sífilis, hanseníase e sarnas, além das doenças crônicas como diabetes e hipertensão, que podem levar a outras doenças graves, como cardiopatias.
A Defensoria analisou 83 exames de óbito e laudos cadavéricos de presos que morreram por doenças entre 2014 e 2015 —30 dos mortos apresentavam caquexia (quando a pessoa está muito magra) e/ou desnutrição e 53 morreram de tuberculose, pneumonias ou complicações decorrentes de infecções pulmonares.
Desses, 35 tinham menos de 40 anos de idade. A maior parte dos mortos se encontrava na faixa etária dos 18 a 30 anos ou de 31 a 40 anos.
O levantamento mostrou que nos últimos 20 anos a incidência de mortes nas cadeias do Rio cresceu dez vezes. Em 1998, foram 26 mortes, enquanto em 2017 saltaram para 266. Parte disso, porém, é explicado pelo próprio aumento da população carcerária no período: eram 9.000 presos em 1998, e 55 mil em 2017.
O problema, porém, não é de agora. O Rio de Janeiro rompeu a barreira de cem mortes por ano nas cadeias em 2002. Esse número mudou pouco nos dez anos seguintes, até 2010, quando 125 morreram.
Em 2014, um novo recorde foi batido, com 146 mortes em presídios. Desde então, o dado só aumenta, até atingir os recordes históricos de 2016 e de 2017, com 258 e 266 mortes por ano, respectivamente.
“O número de mortes cresceu de forma desproporcional [em relação ao crescimento da população carcerária em geral]. Dados indicam que essa população está morrendo por doenças que aqui fora pessoas da mesma idade não morrem”, afirma o defensor Marlon Barcellos, coordenador do Núcleo do Sistema Penitenciário da Defensoria do Rio.
A deficiência no tratamento foi apontada como a causa mais provável para o agravamento do quadro. Segundo a Defensoria, doenças recorrentes de problemas respiratórios, por exemplo, poderiam ser evitadas caso houvesse um atendimento adequado dentro do sistema prisional.
“Há uma falsa sensação de que o preso doente não afeta as pessoas que estão fora da cadeia, mas isso não é verdade. Os presos têm contato diário com os agentes penitenciários, além da convivência com parentes e advogados.”
No levantamento da Defensoria, observou-se que em vários casos há dificuldade para o transporte de presos doentes para unidades de saúde de emergência. Não há acesso satisfatório a exames como tomografias ou instalação de presos em unidades de terapia intensiva, por exemplo.
O órgão também levou em conta estudo da Fiocruz de 2016 sobre a qualidade de vida dos presos no Rio.
Foi constatado, por exemplo, que se um preso precisa ir ao hospital, a sua transferência é feita não por uma ambulância, mas em um camburão. Muitas vezes o óbito ocorre no caminho.
A Secretaria Municipal de Saúde afirmou que tem debatido junto à Defensoria e ao Ministério Público o cumprimento da portaria de 2014 do Ministério da Saúde que trata sobre a saúde dos presos.
A prefeitura disse, no entanto, que um convênio de janeiro de 2016 com o governo do Rio definiu que caberia ao estado “exclusiva responsabilidade operacional, econômica e financeira da atenção à saúde da população privada de liberdade no município do Rio, incluída a Atenção Básica”.
Afirmou ainda que os presos são atendidos na UPA (Unidade de Pronto Atendimento), do estado, que fica dentro do Complexo Penitenciário de Gericinó, em Bangu, e que em caso de atendimentos especializados ou de emergência, os presos são cadastrados no sistema de atendimento dos hospitais estaduais e municipais.
Mortos em presídios do Rio de Janeiro
266 presos morreram em penitenciárias do Rio de Janeiro em 2017
55 é o número de mortos registrado de janeiro a abril deste ano
923% foi o aumento do número de mortos em cadeias fluminenses entre 1998 e 2017
31 unidades prisionais, dentre 55 no estado, estão na capital