O ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, esteve na semana passada (quinta, 26) em Santa Catarina. Palestrou no último dia da II Mostra Laboral do Sistema Prisional Brasileiro, realizada em Florianópolis, e aproveitou para fazer um balanço histórico da área.
Ao visitar os estandes montados por cada estado para expor os trabalhos dos apenados, reconheceu que o esforço já vem dando resultados, mas que muito mais ainda poderá ser feito. Falou dos esforços neste sentido e, com otimismo, do que espera de mudanças.
Na semana passada, a Pelo Estado Entrevista trouxe um pouco dos resultados e planos apresentados pelo secretário estadual da Segurança Pública, Alceu de Oliveira. Nesta semana, um raio-X do setor no país. E a garantia, da parte do ministro Jungmann, de que a solução tem que ser buscada entre as nações. “Se o crime se trasnacionalizou, se ele se globalizou, eu não resolvo só dentro do Brasil! Eu preciso da colaboração, da parceria, da troca de inteligência, da convergência de legislação.”
Origem do problema
O Brasil carecia de um Sistema Nacional de Segurança Pública e de uma Política Nacional de Segurança Pública. Desde a primeira Carta Constitucional, datada de 1924, e em todas as que se seguiram, incluindo a que está vigente, de 1988, jamais o governo central assumiu responsabilidades constitucionais com a área. A leitura transversal das sete constituições brasileiras mostra que a responsabilidade fica restrita aos estados. Isso quer dizer que, na Segurança Pública, temos um federalismo acéfalo.
Nova organização
Pela primeira vez, em 194 anos, a segurança pública passa a ter um lugar na cúpula do Executivo do país. Exatamente há cinco meses foi criado, por decreto, o Ministério da Segurança Pública, englobando o sistema prisional, que é a minha Nêmesis (deusa grega que remete a forças ocultas), que me tira o sono.
Para que se faça Justiça, é preciso que políticas públicas, Ministério Público, Judiciário e Sistema Penitenciário interajam, sejam articulados, mas isso não ocorre. Cada um funciona na sua velocidade com os seus processos.
Mudanças
Nesses cinco meses de existência do Ministério tenho procurado deixar caminhos institucionalizados como legado. E que possam ser ampliados. Por exemplo, foi aprovado o Serviço Único de Segurança Pública (SUSP).
Leio e releio a lei, reconheço que poderia ter algo melhor. Mas, quando plenamente implantado, vai representar uma grande mudança. União, estados e municípios terão que atuar juntos, com metas, com indicadores e com formas de avaliação que nunca existiram.
SUSP
Até hoje, a Segurança Pública no Brasil é o território da opacidade. Não temos informações e quando as temos, nem sempre são confiáveis. Sem isso, é impossível planejar uma política pública nacional. Sem isso entramos em voo cego.
Mas o SUSP traz a exigência do levantamento e do compartilhamento dos dados. Quem (estado) não compartilhar, pode ser responsabilizado e não receberá recursos. Assim passamos a ter informação e integração. E vamos construir uma política nacional para um cenário de dez anos.
Em agosto será instalado o Conselho Nacional da Segurança Pública. Teremos curadoria, ouvidoria, corregedoria, incluindo as secretarias estaduais de Segurança Pública. A nossa área começa a emergir da obscuridade.
Recursos
Agora temos recursos estáveis, previsíveis e crescentes, com repasse de parte do que é arrecadado nas loterias da Caixa Econômica para o Fundo Nacional de Segurança Pública, com valores sendo distribuídos fundo a fundo (União-estados), segundo critérios e indicadores, sem interferência política.
Com isso, vamos poder criar a Escola Nacional de Segurança Pública e Inteligência, em nível de classe mundial. Teremos graduados, pós-graduados, doutores em Segurança Pública e em Sistema Prisional. E vamos valorizar quem trabalha nessas áreas. E vamos criar o Instituto Nacional de Estudos e Estatísticas da Segurança Pública.
Juventude
Precisamos de uma política de prevenção social. Temos uma juventude sem/sem. Sem estudo, sem formação, sem esperança, e em um país de imensas desigualdades. Com a população se sentindo encurralada, esse país tende sempre à repressão e a pedir pena de morte.
Hoje, quem mais morre são jovens de 15 a 24 anos, pobres, pretos, de baixa renda. São 11 milhões de jovens com essas características em nosso país. Três em cada quatro furtam, rouba, usam drogas.
Se 50% dos 60 mil homicídios anuais que registramos estão concentrados em 123 cidades, temos que focar com políticas de promoção social nesses territórios. Criamos uma câmara interministerial para a elaboração de um Plano Nacional de Prevenção e Promoção Social. Nossa juventude precisa disso. E nosso país também.
Cotas
Estivemos com a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Carmen Lúcia, para levar o texto do decreto da Política Nacional de Empregos para Egressos e Presos. Dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) mostram que temos a terceira maior população carcerária do mundo, atrás dos EUA e da China. Com progressão de 8,3% ao ano, chegaremos a 2025 com 1,4 milhão de homens e mulheres privados de liberdade. Isso não é sustentável! Isso sem falar que, hoje, temos 584 mil mandados de prisão abertos.
O projeto determina que todas as licitações do governo federal têm que reservar um percentual para egressos e presos trabalharem nas empresas ganhadoras. “Estão dando emprego pra bandido!” Não!
Estamos buscando formas de ressocializar um ser humano, que tem seus direitos. Nós temos de 40% a 70% de reincidência. Isso mostra que não estamos cumprindo a missão de ressocialização. Como não temos pena de morte no Brasil e nem prisão perpétua, graças a Deus, é melhor que essas pessoas voltem melhores para as ruas, com condições de trabalhar para escapar da chamada do crime organizado.
O trabalho
Hoje, na média nacional, só 12% dos apenados trabalham ou estudam. Em Santa Catarina este índice é bem melhor, 31%. Mas esse percentual tem que crescer. Se a população carcerária cresce tanto e se tantos reincidem, o “prende” pelo qual a população clama não está resolvendo. O “prende” está agravando. É preciso punir, sim. Mas precisamos também melhorar o Sistema Prisional, valorizar quem trabalha nessas funções e de fato ressocializar para que a prisão são seja o home office do crime organizado como tem sido.
Coração das trevas
O Sistema Penitenciário brasileiro está quase todo dominado por um conjunto de 70 facções criminosas. Algumas são pequenas, outras são nacionais, transnacionais e globais. E elas vivem se digladiando dentro dos presídios e penitenciárias do país. Quando eu era ministro da Justiça, fizemos 33 vistorias: um em cada dois presos estava armado.
Quando se pega um jovem com uma trouxinha de maconha e bota lá dentro, ele terá que fazer juramento para uma dessas facções, se torna escravo, servo, dentro ou fora das grades.
Facções x democracia
O crescimento do poderio dessas facções é assustador. Em apenas dois notebooks achamos o registro de 400 execuções determinadas por eles. Isso pode chegar a milhares. Isso coloca em risco a sociedade, as instituições e a própria democracia.
Eles podem controlar o voto, elegem representante, esse representante entra na disputa por indicação de cargos, podendo até chegar a atuar no aparato de segurança. Já é uma questão de soberania nacional. Precisamos fazer o Estado presente!
Autoridade Sul Americana
Na próxima semana (com início em 30 de julho) eu estarei na Argentina reunindo com os ministros da Justiça e da Segurança Pública. A minha proposta é nós termos uma Autoridade Sul Americana de Segurança, mais amplo que Mercosul. Isso porque não se resolve mais o problema do grande crime organizado no o espaço nacional. Se o crime se transnacionalizou, se ele se globalizou, eu não resolvo só dentro do Brasil! Eu preciso da colaboração, da parceria, da troca de inteligência, da convergência de legislação.
Hoje já temos grandes quadrilhas brasileiras se estruturando em outros países, como Paraguai e Bolívia. Se não der para começar com uma Autoridade, vamos começar com uma plataforma de discussão e de coordenação. Depois a gente evolui. Eu diria que isso é imprescindível. Não há possibilidade de se enfrentar o crime que se globalizou, com a internet, com o tempo real, com transporte, com infraestrutura, com tudo, se não for transnacionalmente também.
Outra coisa…
… o crime está se lixando para a questão de regras e a qualquer coisa neste sentido. Nós ficamos muito presos a certos marcos legais que já não fazem sentido. Temos que criar, democraticamente, dentro da lei, com observância à Constituição de todos os países, uma Autoridade Sul Americana para lidar com essa questão.
O secretário estadual de Justiça e Cidadania (SJC), Leandro Lima, responsável pelo sistema prisional catarinense, comemorou os resultados da Mostra que, pela segunda vez, aconteceu no estado. Ele destacou que, entre a primeira edição, em 2015, e a da semana passada, Santa Catarina consolidou posição de referência nacional no que diz respeito à atividade laboral de apenados, ajudando inclusive a influenciar os demais estados.
“Começamos a perceber, ao entrar em cada estande, que os outros estados começaram a migrar da atividade artesanal para a industrial, seguindo os nossos exemplos.” Atualmente, 200 indústrias e pelo menos 20 prefeituras têm convênios com a SJC, abrangendo todas as 50 unidades mantidas prisionais pelo Estado.
Lima confirmou que o ministro Raul Jungmann decidiu que voltará a Santa Catarina para conhecer mais profundamente o trabalho realizado aqui, em boa parte já conhecido por ele durante a gestão da ex-secretária Ada De Luca, deputada estadual. Ele deve ir à unidade feminina de Criciúma e à masculina de São Cristóvão do Sul. Na primeira, o desafio é alcançar, até o fim do ano, 100% das internas trabalhando e estudando. Na segunda, todos os presos já trabalham em 17 indústrias instaladas ali.
O objetivo agora é garantir a segurança jurídica no uso da mão de obra dos detentos, criando legislação nacional que encerre todas as questões contrárias. O Projeto de Lei 167, que tramita na Assembleia, trata deste assunto. A expectativa de Leandro Lima é que a aprovação ocorra ainda em 2018. “Tudo o que o ministro Jungmann disse aqui mostra que temos agora uma luz no fim do túnel. Mas todos sabemos que o túnel é longo.”
Mara Fregapani Barreto, coordenadora geral de Promoção da Cidadania do Depen/MPS, era uma das mais entusiasmadas durante a II Mostra Laboral do Sistema Prisional Brasileiro. Ela está à frente do setor há oito anos e acredita que o evento, pela magnitude que alcançou, garante visibilidade ao tema, não só pelo que foi exposto como resultado da atividade laboral dos apenados, mas também pelo alto nível das palestras e dos debates.
“O envolvimento de todos os estados faz da Mostra um momento de integração, de colaboração, de capacitação, de experiências e até de metodologia de trabalho. Surge uma mobilização nacional.”
Além da assinatura do decreto que estabelece cotas para egressos e detentos nas licitações públicas federais, durante a Mostra aconteceu o lançamento do segundo ciclo do Selo Resgata, que reconhece a importância das empresas que abrem espaço para esse público.
Ela enumerou a evolução da área. “Em 2012, veio o Decreto de Educação Prisional; em 2014, a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional; na edição de 2018, o decreto que abre portas para que presos e egressos trabalhem.”
Mara defende que o esforço traz vantagens para todos os envolvidos. Para o empregador, a prática da flexibilização da CLT, trabalhadores no local do trabalho, com muito mior produtividade hora/homem e com menor custo. Para os apenados, a remissão da pena de um dia para cada três de trabalho ou de dois dias para cada três em que estudar e trabalhar, e a remuneração de elo menos 75% do salário mínimo. A administração pessoal passa a trabalhar em um clima menos tenso e a sociedade recebe de volta, quando da soltura, um cidadão preparado para o trabalho.