Especialistas apontam ainda que adolescentes são levados para o tráfico por causa das vulnerabilidades sociais e das fragilidades das leis
Adolescentes seguem sendo atraídos por traficantes em Belo Horizonte. Em 2022, conforme levantamento do Centro Integrado de Atendimento ao Adolescente Autor de Ato Infracional (CIA-BH), foram 954 casos de comércio de drogas com a participação dos menores de 18 anos na capital mineira – a média é de pelo menos dois casos acompanhados por dia pelas autoridades de segurança. São menores entre 12 e 17 anos, vítimas da ação de narcotraficantes e também das falsas promessas de conquistas de bens e status.
“Essa é uma estratégia antiga, adotada por traficantes em todo o estado. Eles procuram, principalmente, aqueles menores que estão em situação de vulnerabilidade. Esses narcotraficantes tentam se aproveitar de uma legislação, criada para proteger os menores, para tentar proteger a si mesmo”, explica o tenente-coronel Flávio Santiago, da Polícia Militar de Minas Gerais.
Ele reforça que muitos destes adolescentes se sentem atraídos pela criminalidade diante do desejo de realização pessoal. “Nessa faixa etária, esses meninos e meninas possuem essa vontade de conquistar as coisas mais rapidamente. E quando esse adolescente está em uma família desestruturada, com a ausência de figuras do seio familiar, ou em alguma situação de vulnerabilidade geopolítica, ele fica ainda mais exposto”, acrescenta.
O estudo indicou que a maior parte dos casos de tráfico de drogas com adolescentes ocorreu na região Nordeste de Belo Horizonte. Foram 195 ocorrências, o que representa 20,4% do total da capital mineira. As regiões de Venda Nova, com 129 (13,5%), e a Leste, com 119 (12,4%), encabeçam o levantamento. A pesquisa buscou identificar também o perfil desses adolescentes: 95,57% são do sexo masculino, e 4,43% feminino. A principal faixa etária é de 16 a 17 anos.
Especialista em Segurança Pública, Arnaldo Conde avalia que há muitas razões para o alto registro de apreensões por tráfico de drogas, sobretudo em regiões periféricas da capital. Muitas delas estão diretamente relacionadas à concentração da fiscalização em áreas centrais da cidade pelas forças de segurança, o que pode criar a impressão de facilidade maior de cometer crimes nos bairros mais afastados.
“O tráfico de drogas é o crime que dá a impressão de ser mais fácil. Isso porque ao invés de endurecer a repressão, hoje temos a questão da quantidade mínima de drogas que a meninada pode estar portando para configurar o crime. Além disso, temos a facilidade nas áreas mais periféricas onde temos menor policiamento. E isso não quer dizer que as áreas periféricas são as mais perigosas. Podemos exemplificar com a Savassi, que tem maior número de pessoas e de fiscalização, o que dá a sensação que seja mais difícil do que estar em outras áreas”, explica.
Além disso, Conde aponta a falta de oferta de cursos preparatórios para ingresso no mercado de trabalho como fator que pesa para o alto número de adolescentes infratores. Segundo ele, com a falta de perspectivas para o futuro, os menores acabam vendo no tráfico um caminho mais fácil.
“Problemas de segurança são multifacetados e nunca serão resolvidos com apenas uma instituição ou setor. Não é apenas o trabalho policial ou a assistência social que vai resolver o problema. Precisamos de equipamentos públicos e sociais para atrair a meninada para a escola. Temos uma cultura de que os jovens têm que sair da escola para a faculdade, mas temos uma quantidade enorme de cursos técnicos que podem ser ofertados. E essa visão de futuro tem que ser dada onde o menor mora, não em áreas centrais onde vão dificultar ainda mais o acesso”, pontua.
Alternativas
O levantamento mostrou que foram 3054 casos de atos infracionais cometidos por adolescentes atendidos no Centro Integrado de Atendimento ao Adolescente Autor de Ato Infracional (CIA-BH) no ano passado. Destes, 206 foram apenas a cumprimentos de mandados de busca e apreensão, e 2848 novos casos de apuração.
O Centro ainda recebeu 1848 casos de adolescentes encaminhados como suspeitos dos atos infracionais. A quantidade representa uma redução de 67%, em relação aos 5718 menores encaminhados como autores, em tese, em 2015, o primeiro ano do levantamento.
Para Elvira Cosendey, que é tecnica do Ministério do Trabalho e Emprego e coordenadora do Fórum de Erradicação e Combate ao Trabalho Infantil e Proteção ao Adolescente – FECTIPA/MG, embora tenha uma redução, os números continuam altos. Ela avalia que o cenário exige que antes de pensar em resgatar esses adolescentes, é necessário desenvolver políticas para evitar que esses menores se envolvam com a criminalidade.
“Isso passa, por exemplo, pela educação em tempo integral. Mas essa não pode ser a única medida, porque o que a gente observa é que muitos destes adolescentes que vão para o tráfico tiveram insucesso na escola. A principal causa da evasão é a dificuldade com a aprendizagem”, justifica.
A especialista acredita que, somado ao maior tempo dos adolescentes nas escolas, é necessário fazer o acompanhamento desses alunos, a fim de sanar essas dificuldades de aprendizagem. “Eles precisam ser meninos e meninas de sucesso, com autoestima elevada na vida escolar. O que acontece, na verdade, é que eles são humilhados, vítimas de bullying”, detalha Elvira Cosendey. Ela afirma ser necessário fomentar os programas de aprendizagem, que permitam esses adolescentes trabalhar e desenvolver habilidades técnicas-profissionais.
“O tráfico passa uma ilusão de ser mais rentável, só que isso é algo por um período curto, já que tem uma incidência muito grande de mortes. Então, dar essa oportunidade para esses adolescentes, principalmente aqueles mais vulneráveis, é importante”, argumenta. Esses programas, segundo ela, já existem, mas enfrentam diversos desafios.
Por esse motivo, é importante o comprometimento do poder público. “É necessário que eles sejam ampliados, contemplando mais jovens. Porém, não é algo fácil, já que as empresas estão comprometidas, até mesmo financeiramente, e a desistência desses adolescentes costuma ser muito grande”, completa.
Educação
A Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG) afirma que desenvolve uma série de ações educativas para evitar que crianças e adolescentes entrem para o “mundo do crime”, sendo o principal deles o Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência (Proerd). “São mais de 4 milhões de crianças que já passaram pelo programa. O Proerd não tem o objetivo de apenas evitar o contato com a droga, mas formatar um adulto que possa resistir a pressão do externo”, explica o tenente-coronel Flávio Santiago.
Para o representante da corporação, além do Proerd, outras ações são desenvolvidas, principalmente em áreas periféricas, com o objetivo de prevenir e evitar o contato da população com as drogas e o crime. “Esse contato mais aproximado do policial com as comunidades é fundamental, eles passam a ver o policial como fonte inspiradora”, completa.
Fonte: https://www.otempo.com.br/cidades/desejos-por-bens-e-ostentacao-atraem-adolescentes-para-o-trafico-em-bh-1.3059088