Atendimento à saúde e alimentação inadequada geram denúncias mais contundentes. Retirada do cigarro das unidades também afeta saúde mental dos detentos.
“Um cenário devastador.” Assim o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) definiu a situação do atendimento à saúde dos detentos na Penitenciária José Edson Cavalieri, em Juiz de Fora, na Zona da Mata. Lá os representantes da entidade encontraram caneta de insulina sem refrigeração, bolsa de colostomia sem troca, cânula de traqueostomia limpa com caneta BIC e medicamentos com a data de validade cortada.
A situação degradante se repetiu nas outras unidades visitadas: Ariosvaldo Campos Pires, também em Juiz de Fora; Penitenciária Feminina Estevão Pinto, em Belo Horizonte; e Dutra Ladeira, em Ribeirão das Neves (Região Metropolitana de BH). Os dados foram apresentados pelo CNDH em reunião da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), nesta quarta-feira (11/9/24).
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As visitas do Conselho Nacional a Minas Gerais foram motivadas por diversas denúncias, inclusive da comissão da ALMG. Um relatório será produzido com as informações. Segundo Edna Jatobá, uma das representantes do CNDH, as cenas verificadas são revoltantes e inconstitucionais e há situações encontradas somente em Minas. Superlotação, maus tratos, falta de acesso à higiene, marcas de tortura e alimentação inadequada foram registrados, além de tuberculosos sem isolamento e sem máscara.
Mulheres
Carolina Barreto, integrante da comitiva do CNDH, destacou os reflexos dos maus tratos na saúde mental das detentas da Estêvão Pinto a conta de um suicídio por mês em 2023. “O espaço é conformado para o gênero masculino super viril”, salientou. Segundo ela, o kit higiene é um “kit miséria”, sem desodorante, xampu e material de limpeza. Já o absorvente parece feito de madeira. “E não manter a higiene é considerado falta grave”, pontuou.
Ali, o único ponto positivo, segundo os conselheiros, é a comida, hoje feita pelas próprias detentas. Nas outras unidades, o CNDH testemunhou a comida azeda e fedida e cenas que indicam desnutrição.
Cigarro é cortado abruptamente nas unidades
O conselho avaliou como uma nova forma de tortura – nesse caso, coletiva – a proibição do cigarro nas unidades, sem um protocolo para a redução de danos. “Não há base legal para isso. Algumas pessoas fumam há 40 anos. E a forma como o sistema está lidando com isso é aumentando as medicações. Encontramos mulheres letárgicas”, afirmou Carolina Barreto. Essa denúncia foi reiterada por várias outras autoridades e também familiares dos detentos. A proibição passou a valer integralmente no final de agosto passado.
Nos relatos apresentados na audiência, Rosângela Cândida, mãe de um detento em Betim (RMBH), se emocionou ao falar que o filho passa fome e está adoecido. “Ele está pagando sua dívida, e essa privação de liberdade deveria ser o suficiente”, lamentou. Ana Maria, de Patrocínio (Alto Paranaíba), afirmou que há muitos presos com direito à progressão de regime, mas não há equipes para fazer o exame criminológico necessário.
A deputada Andréia de Jesus, presidenta da comissão e autora do requerimento para a reunião, afirmou que as denúncias não são novas e reafirmam a necessidade de atuação contínua da comissão. Nos dois últimos anos, segundo ela, cresceu o número de óbitos no sistema prisional em Minas, inclusive de suicídios. Ela também celebrou o fato de o CNDH ter fotografado as situações, o que não é permitido nas visitas da comissão. Já Bella Gonçalves (Psol) defendeu o fim da proibição dos cigarros.
Representantes dos Conselhos Regionais de Psicologia e de Assistência Social também entregaram à comissão e ao CNDH um manifesto contra as más condições de trabalho e o consequente adoecimento das profissionais que atuam no sistema penitenciário.
Executivo e órgãos públicos são questionados
Em meio a denúncias que se repetem e já são conhecidas, participantes da audiência questionaram também outros órgãos públicos, além do Poder Executivo. Maria Teresa dos Santos, coordenadora da Associação de Amigos e Familiares de Pessoas em Privação de Liberdade, afirmou que a Secretaria de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) compactua com a tortura no sistema porque o treinamento dos agentes é perverso.
“Quem apanha só aprende a bater. E quem acreditava que poderia fazer diferente, está doente”, afirmou. Ela também criticou o Tribunal de Justiça (TJ) por não cobrar a aplicação da Lei de Execução Penal. “A pessoa só deve ser privada da liberdade e de nada mais”, pontuou.
O vice-presidente do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos, Fernando Gonzaga, também afirmou que o TJ “precisa “tirar a venda dos olhos”, e o Ministério Público, “desenterrar a cabeça do asfalto”. Segundo ele, diante da omissão, já não se pede justiça, mas misericórdia.
“Há um ano e meio, discutimos essas denúncias numa audiência pública. Já se denunciava a fome. Essa é uma política deliberada do Estado. Nossos cárceres são campos de concentração.”
Fernando Gonzaga
Vice-presidente do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos de MG
O superintendente de Segurança do Departamento Penitenciário de Minas Gerais (Depen-MG), José Fábio Piazza Júnior, afirmou que vai aguardar o relatório da comissão, mas adiantou sua preocupação com as denúncias de refeições azedas, pois, segundo ele, 90% dos policiais usufruem da mesma alimentação oferecida aos apenados. De acordo com José Fábio, há planejamento e obras para a implementação de cozinhas dentro das penitenciárias.
Ele explicou que, por ser responsável por outra área, não conseguiria responder à pergunta da deputada Andréia de Jesus sobre o controle do emprego de spray de pimenta nos presídios. Porém, assegurou que os servidores recebem capacitação para o uso, e que condutas desviantes são encaminhadas para a apuração. José Fábio estimou que tramitam, atualmente, cerca de 300 a 400 processos contra agentes na Controladoria-Geral do Estado.
Questionado pela parlamentar, que lembrou a existência de recursos federais para complementar a manutenção da infraestrutura, Piazza Júnior garantiu que fazem projetos para a melhoria de equipamentos como câmeras.
Já o superintendente de Atendimento do Depen-MG, Jober Gabriel de Souza, declarou que tem buscado alternativas para a recomposição do quadro técnico, pois não recebeu autorização para a realização de concurso público. Sobre a retirada do cigarro e as crises de abstinência, disse que tem buscado resolver caso a caso.